segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Nova técnica evita amputações em diabéticos


Um técnica experimental que utiliza a fototerapia para tratar pés diabéticos tem se mostrado eficaz para evitar amputações. Cerca de 90 pacientes já passaram pelo tratamento no Hospital de Ensino Anchieta, em São Bernardo do Campo. A iniciativa é resultado de um projeto do médico João Paulo Tardivo, autor da técnica, em parceria com a Faculdade de Medicina do ABC.
Tardivo, que já desenvolvia trabalhos com fototerapia, teve a ideia de aplicá-la em diabéticos ao atender pacientes que não tinham alternativa além da amputação. Por apresentar uma diminuição da sensibilidade dos pés por causa da neuropatia periférica, o diabético não sente dor e, portanto, não percebe quando o membro inferior sofre lesões. Além disso, a deficiência circulatória e a baixa imunidade associadas à doença fazem com que o ferimento não se cure naturalmente.
Dos 18 pacientes atendidos por Tardivo que já apresentavam osteomielite - quando a infecção atinge os ossos e existe a indicação de amputação - 17 puderam manter o membro. Nesses casos, o antibiótico não é eficaz, pois não chega às bactérias instaladas nos ossos.
No tratamento em teste, a luz tem o papel de provocar uma reação fotoquímica com o oxigênio presente nos micro-organismos, levando à produção de radicais livres, que destroem mesmo as bactéria resistentes.
Para chegar ao centro da infecção, Tardivo introduz um cabo de fibra ótica dentro da ferida. Para conduzir a luz ao interior das bactérias, é utilizada uma substância fotossensível: o azul de metileno.
Para começar a aplicar a técnica, o pesquisador submeteu à Faculdade de Medicina do ABC um projeto de criação do Centro de Tratamento do Pé Diabético no Hospital Anchieta. A proposta foi aceita pela faculdade. Ele já havia publicado um artigo na revista Photomedicine and Laser Surgery em 2009 sobre a experiência da utilização da fototerapia. Com o resultado positivo observado nos 90 pacientes já atendidos no centro, o objetivo é propor a exportação do método para o SUS.
Tardivo destaca a vantagem financeira da fototerapia em relação ao tratamento convencional. "É mais barato cuidar com esse método do que com cirurgia. Dessa forma, preserva-se a qualidade de vida e diminuem os custos."
Depois da instalação do centro, que ocupa uma sala do ambulatório, as enfermeiras começaram a se capacitar para aplicar a técnica. Hoje, pacientes com outras condições, como ferimento ortopédico ou úlcera por pressão, também começam a ser tratados com o princípio da fototerapia. "Quando o paciente diabético chega, muitas vezes já tem indicação para ser amputado porque já se investiram vários recursos. Veja a importância de se oferecer uma alternativa", ressalta. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

ESTADÃO

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Estudo mostra como a privação do sono afeta a imunidade


A importância do sono para o bom funcionamento do sistema imunológico é conhecida, mas pouco se sabe sobre os mecanismos envolvidos. Uma pesquisa apoiada pela FAPESP e conduzida nos últimos anos tem mostrado como diferentes tipos de privação de sono interferem nas defesas do organismo.

Na primeira fase da pesquisa, para mimetizar situações comuns na sociedade os pesquisadores submeteram voluntários tanto à privação total por 48 horas – similar à que ocorre com pessoas que trabalham em sistema de plantão noturno – como à privação seletiva de sono REM (movimento rápido de olhos, na sigla em inglês), fase do sono em que prevalecem os sonhos, por quatro noites seguidas.

“Nas últimas décadas, houve diminuição progressiva e importante na média da duração do sono, principalmente na segunda metade da noite, quando prevalece o sono REM”, disse Francieli Ruiz da Silva, autora principal do estudo, feito durante o doutorado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com Bolsa da FAPESP.

O estudo, orientado pelo professor Sergio Tufik, foi realizado no Instituto do Sono, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP. Os resultados do experimento foram publicados em artigo na revista Innate Immunity e apresentados na 23ª Reunião Anual da Associated Professional Sleep Societies, realizada nos Estados Unidos em 2009. O trabalho também foi premiado pela European Federation of Immunological Societies durante o 2º European Congress of Immunology, realizado na Alemanha no mesmo ano.

Em uma segunda fase da pesquisa, realizada com animais, os pesquisadores do Instituto do Sono investigaram os efeitos da privação de sono no desenvolvimento de resposta específica a um desafio imunológico. Os resultados dos experimentos com camundongos foram apresentados na 27ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia experimental (FeSBE), realizada em agosto de 2012.

“O objetivo na primeira fase foi avaliar a alteração no perfil imunológico dos voluntários causada pela falta de sono. Para isso, realizamos leucograma – exame que mede a quantidade de leucócitos no sangue – antes e depois do experimento”, disse Ruiz.

Ao longo de uma semana, 30 voluntários saudáveis, entre 18 e 30 anos, permaneceram no laboratório distribuídos em três grupos. Aqueles do grupo controle dormiram normalmente e tiveram seu padrão de sono monitorado por meio do exame de polissonografia.

Os integrantes do grupo submetido à privação seletiva também tiveram o sono monitorado e foram acordados por uma campainha toda vez que o exame indicava a aproximação da fase REM.

“A primeira noite foi tranquila, mas à medida que a demanda do organismo por sono REM foi se acumulando, foi ficando difícil. Esse estágio aparecia cada vez mais cedo, efeito conhecido como rebote de sono REM. Na quarta noite, eles mal cochilavam e já entravam na fase REM”, contou Ruiz.

Já o grupo da privação total manteve-se alerta por 48 horas com a ajuda de videogames, jogos de cartas, internet e eventuais chacoalhadas. Nas três noites seguintes, dormiram normalmente e foram monitorados pela polissonografia para registrar o efeito rebote de sono.

Enquanto o grupo controle não apresentou alteração no perfil imunológico, como esperado, os voluntários do grupo submetido à privação total tiveram uma elevação no número de leucócitos, especificamente de neutrófilos, o primeiro tipo celular que responde à maioria das infecções. Também houve aumento de linfócitos T CD4, responsáveis pela imunidade adaptativa, específica para cada doença.

“Considerando que os leucócitos desempenham a função de defesa ao primeiro sinal de invasão por patógenos, observamos que a privação total de sono desencadeou um sinal de alerta no organismo. Ele entendeu como uma agressão e respondeu a um fantasma”, disse Ruiz.

Essa alteração foi revertida após as primeiras 24 horas de recuperação do sono. “Mas, para nossa surpresa, o número de linfócitos não voltou ao normal após as três noites de recuperação”, contou.

No grupo privado de sono REM, foi observada uma diminuição da imunoglobulina A (IgA) circulante no sangue durante todo o período do experimento. Esse efeito permaneceu após as três noites de recuperação do sono.

“Essa imunoglobulina, presente na secreção de mucosas, está diretamente relacionada à proteção contra a invasão por patógenos. Isso poderia explicar por que a privação de sono REM poderia estar relacionada a uma maior suscetibilidade a doenças como gripes e resfriados já descrita na literatura”, disse.

Desafio imunológico

Na segunda fase da pesquisa, os pesquisadores investigaram, em ratos, os efeitos da privação de sono no desenvolvimento de resposta específica a um desafio imunológico. “Precisávamos de um estímulo que desencadeasse uma resposta vigorosa e optamos por um modelo de transplante de pele entre duas linhagens diferentes e geneticamente incompatíveis de camundongos”, disse Ruiz.

Nesse modelo, de acordo com Ruiz, a rejeição do tecido enxertado pelo organismo do receptor é certa. Mas, enquanto os animais do grupo controle levaram entre 8 e 10 dias para expelir o tecido estranho, aqueles submetidos à privação de sono, seja ela total ou apenas da fase REM, levaram entre 15 e 18 dias.

“Isso representa um aumento de 80% no tempo de sobrevida do tecido, o que equivale ao efeito de drogas imunossupressoras como a ciclosporina”, disse Ruiz.

Para entender o que estava causando o prejuízo na resposta imunológica, os pesquisadores analisaram os órgãos linfoides dos animais e verificaram uma redução de 76,4% no número de linfócito T CD4 no grupo submetido à privação de sono REM. No grupo que sofreu privação total, a queda foi de 34% em relação ao grupo controle.

“Os linfócitos T são essenciais para que o processo de rejeição aconteça. Eles são ativados pelas células apresentadoras de antígenos (APCs) e, então, migram dos órgãos linfoides para a região afetada, onde desencadeiam o processo inflamatório que culmina com a rejeição”, explicou Ruiz.

As análises mostraram que nos dois grupos houve redução de aproximadamente 40% no número de linfócitos T no infiltrado inflamatório do enxerto de pele, ou seja, havia menos células de defesa na região.

Isso pode ser explicado por uma menor expressão da molécula MHC 2, essencial para a comunicação entre as APCs e os linfócitos. Além disso, houve redução de 40% na quantidade de receptores para a interleucina 2 (IL-2) na circulação sanguínea.

“Quando o linfócito migra para a área afetada, precisa se proliferar para atacar o tecido. Para isso libera a IL-2, principal mediador para essa proliferação. Portanto, uma menor quantidade desses receptores no sangue indica menor proliferação de linfócitos e prejuízo ao processo de rejeição”, disse Ruiz.

Para ter certeza de que o possível estresse causado pela privação de sono não estava por trás da imunossupressão, os pesquisadores avaliaram os níveis de corticosterona no sangue dos animais.

“Esse hormônio, nos camundongos, é o equivalente ao cortisol em humanos. Como os níveis não estavam mais elevados nos roedores privados de sono do que no grupo controle, acreditamos que o estresse não tenha interferido nos resultados”, afirmou.

O próximo passo da pesquisa é investigar por que a privação de sono diminui a expressão de MHC 2 e a proliferação dos linfócitos. Além disso, Ruiz pretende investigar, durante o pós-doutorado, também com Bolsa da FAPESP, o efeito da privação de sono na imunidade de pessoas que trabalham em turno e trocam o dia pela noite.

“A literatura indica que o sono durante o dia não é tão reparador como o noturno. Nossa intenção é vacinar esses voluntários e ver como a inversão dos períodos de descanso interfere na imunização”, disse.

Estadão